sábado, 26 de setembro de 2009

ABERTURA


Fantasías aparte, es innegable que su nombradía (de D. Paio Peres Correia) se asienta en una vida militar llena de gloriosos hechos, como lo demuestra el que se le confiase el mando del ejército español en aquel período verdaderamente heroico de la Reconquista.


Fue Gran Maestre de la Orden de Santiago y tanto los monarcas portugueses como los castellanos, se disputaran el honor de tenerle à su servicio.
Enciclopedia Universal Ilustrada Europeo-Americana

«Os dados para a composição de uma biografia (sobre Paio Peres Correia) são vastíssimos» (Henrique David). Todavia essa biografia ainda não existe. E, enquanto assim for, o seu lugar na história não será devidamente equacionado: o lugar de um homem denodado, que lutou em território português, particularmente algarvio, nos reinados de Sancho II e Afonso III, mas sobretudo em Castela, sob Fernando III e Afonso X, a quem este, ainda principe, prometeu que lhe entregaria os cuidados da educação do herdeiro, que foi solicitado, mesmo pelo Papa, para ir em socorro do imperador Balduíno de Constantinopla (1), etc.

O esclarecimento das suas raízes fralanenses (do Solar de Fralães, no Concelho de Barcelos) cremos que é tarefa importante, para que haja quem o reivindique, quem, considerando-o seu, accione iniciativas que promovam a reflexão sobre a acção que desenvolveu.

Se a composição de uma biografia do 14º Grão-Mestre da Ordem de Santiago não está ao nosso alcance, isso não impede que registemos aqui um pouco do que sobre ele se pode saber.
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(1) Consulte esta Colecção Documental sobre Paio Peres Correia.


Nosso livro sobre Paio Peres Correia

Como se pode ver aqui, foi publicado o meu pequeno livro sobre Paio Peres Correia. Tem prefácio de Manuel López Fernandez, o biógrafo espanhol deste conquistador.









Nas imagens: medalhão leonês de D. Paio Peres Correia (Convento de S. Marcos), retrato português  e medalhão na Plaza Mayor de Salamanca  do mesmo.





 Monumento a Paio Peres Correia em Setúbal.
 Painel de Paio Peres Correia em Tentudia, Espanha.

 Placa toponímica em Loulé.


Nossa Senhora aparece a Paio Peres Correia - pintura originária do Castelo de Palmela e actualmente no Museu Nacional de Arte Antiga.

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Manuel López Fernández, autor do livro


Natural de Calera de León, na província de Badajoz, Manuel López Fernández  é militar de profissão e doutor em História pela UNED com a tese La Orden de Santiago y el maestre Pelay Pérez Correa. Professor tutor do Centro Associado da UNED em Algeciras e membro do Instituto de Estudos Campogibraltarenos, as suas linhas de investigação estão relacionadas com o Estreito de Gibraltar e com a Ordem de Santiago. Os seus trabalhos foram publicados em actas de congressos celebrados em Espanha e Portugal, ou publicados em revistas como Albassit; Almoraima; Cuadernos del Archivo Central de Ceuta; Espacio, Tiempo y Forma; Historia. Instituciones. Documentos; Revista de Estudios Extremeños; Revista de Historia Militar; Revista de las Órdenes Militares; e otras de menor difusão nas províncias de Alicante, Badajoz, Cádiz, Murcia e Sevilla (veja-se aqui).
Numa artigo em linha, Manuel López Fernández afirma que Paio Peres Correia “parece originario de Farelaes, un “couto” cercano a la portuguesa ciudad de Braga”. A gente preferia que disse que o Mestre de Santiago era natural do antigo e extinto Couto e Honra de Fralães, cuja área hoje pertence ao concelho de Barcelos. Mas podia ter sido pior.
O que fica claro é que o livro, que se estende por 692 páginas, é dum especialista e que refere Fralães. Um verdadeiro tratado que em breve esperamos possuir.
Veja-se também esta apresentação de Paio Peres Correia, certamente da sua autoria:

Paio Peres Correa foi, em palavras de Derek W. Lomax, um dos melhores mestres da Ordem de Santiago. Todavia, até à tese doutoral de Manuel López Fernández - La Orden de Santiago y el maestre Pelay Pérez Correa -, não se tinha um trabalho que permitisse avaliar no seu conjunto o labor do mestre à frente da instituição que governava; labor que ficou associado a uma grandiosa lenda de que o mestre se fez credor no seio da mesma Ordem. Sem pôr de lado origem e evolução dessa lenda, nem iludir a sua posterior influência histórico-literária, graças ao dito trabalho de investigação podemos conhecer multidão de detalhes da vida do freire santiaguista, as suas andanças pela Península em acções militares, concedendo foros ou engrandecendo a sua Ordem, ao tempo que se relacionava com os reis de Castela, Portugal, Aragão, Inglaterra..., e com as mais altas hierarquias da Igreja.

Em linha existem alguns trabalhos publicados por Manuel López Fernández:

A PALAVRA FRALÃES

Farelães é o solar
Que aos Correias deu o ser,
E D. Paio veio a ter,
O qual fez o sol parar,
Para os mouros vencer.

A nossa afirmação de que D. Paio Peres Correia é natural de Monte de Fralães, concelho de Barcelos, assenta, como a seu tempo veremos, numa investigação feitas sobre as Inquirições e na continuada tradição genealógica. Neste sentido, esta quintilha de D. João Ribeiro Gaio - que foi bispo de Malaca, mas que era natural de Vila do Conde - mesmo inquinada de lenda, confirma a tradição genealógica.
D. João Ribeiro Gaio adopta, para designar Fralães, a forma Farelães, que é errada, sem base histórica, e que assenta na suposição de que a palavra deriva de farelo.

Capa do primeiro livro dos Registos Paroquiais de Monte de Fralães (então dizia-se S. Pedro do Monte) da autoria do P.e Jácome Dias.


Curiosamente, o pai do vocábulo Fralães é um pároco de Monte de Fralães, também da segunda metade do séc. XVI (como D. João Ribeiro Gaio), que se chamava Jácome Dias. Ele dedicou-se de alma e coração à sua pequena paróquia e teve o bom senso de deixar memória da sua obra. Nuns relatórios que abrem o livro dos registos paroquiais, que iniciou, usa por duas vezes a forma Fralães.
Noutros documentos continuou a escrever-se Farelães e, em finais do séc. XVII, Cristóvão Alão de Morais, na Pedatura Lusitana, defende explicitamente a forma Farlães — «que assi se acha nas escrituras antigas». A forma Fralães teve a sua primeira grande consagração, cerca de 1700, na Corografia Portuguesa, cujo autor certamente consultou os registos do P.e Jácome Dias (que ainda estavam na paróquia).
Farlães vem nas Inquirições de D. Afonso III, na acta de Viatodos (vizinha de Monte de Fralães). Hoje escreve-se Fralães, sem que seja possível deslindar o seu étimo.

O SOLAR DE FRALÃES

O edifício actual do Solar de Fralães não tem a grandiosidade da de outros solares. Mas aquela torre senhorial faz inveja a muitos.
A torre e algumas portas do rés-do-chão em ogiva deverão vir do séc. XV, o resto do edifício é reconstrução de começos do séc. XX. Tinha havido obras significativas em meados do séc. XVIII, mas hoje o seu resultado não é reconhecível.
O P.e Carvalho da Costa da Costa deixou do solar uma descrição sem dúvida exagerada:

Têm estes senhores aqui a maior Casa das antigas de quantas vi em Portugal, & Galiza, com Torres, grandes salas, muitas fontes curiosas, jardins, & hortas, dilatados pomares de toda a fruta ordinária, & de espinho, & uma grande mata de Carvalhos, & Castanheiros, cousa magnifica.
Em meados do século há contudo referência à torre que conhecemos hoje.
Não foi nesta casa que nasceu D. Paio Peres Correia. O solar do seu tempo devia ficar a uns 300/400 m para poente do actual, na encosta do monte. De facto, houve aí até há um século o lugar do Paço – que aliás teria origem romana, como no-lo afirmou um arqueólogo que visitou o local.
O autor da Corografia Portuguesa, quando passou por Fralães, fez uma descoberta arqueológica: encontrou a servir de degrau numas escadas uma lápide romana dedicada a um tal Aurélio Patrício por um seu filho legionário. O P.e Carvalho fez porém uma leitura fantasiosa da inscrição. A lápide guarda-se hoje no Museu de Martins Sarmento, em Guimarães.

Pela altura em que os Marqueses de Monfalim restauraram o solar (finais do século XIX), um sacerdote de Viatodos escreveu sobre ele o seguinte soneto:

Fralães, matrona que possuiu nobreza,
todo em ruínas, seu solar deplora,
narrando ainda a prístina grandeza,
poder e fausto que ela teve outrora.

De quantos bens e honras foi senhora,
E hoje vive esquecida... e na pobreza!
Pelas humildes vestes de pastora,
Trocou as galas ricas de princesa!

Mas assentada, no alto, em seus penedos,
contempla ainda, como antigamente,
montes, planícies, rios e arvoredos...

A mão dos tempos que pesou sobre ela
tudo que tinha lhe roubou... Somente
a deixou sempre assim graciosa e bela.

Na primeira imagem vê-se o Solar de Fralães e na segunda uma das suas portas em ogiva, junto à torre senhorial.

OS AVÓS PATERNOS DE D. PAIO PERES CORREIA

Os genealogistas, repetindo o Nobiliário do Conde D. Pedro, ensinam que D. Paio Peres Correia era neto de D. Paio Soares Correia. Este D. Paio Soares Correia casou primeiro com D. Gontinha Godins e depois D. Maria Gomes. Foi do segundo casamento que nasceu o pai de D. Paio Peres Correia.
Como o Grão-Mestre de Santiago não terá nascido depois de 1210 – para ter uns 18 anos quando entra para a Ordem militar – o seu pai deveria ter nascido ao menos uns 20 anos antes, o que nos leva para 1190. Como D. Maria Gomes volta a casar e tem depois filhos, seria ainda jovem por altura do segundo casamento. Isto é, casa após a morte do primeiro marido, morte que há-de ter acontecido quando os filhos desse casamento eram crianças, portanto talvez ainda antes da década de 1190.
Ao certo sabe-se que D. Paio Soares Correia morreu antes de 1220, pois nesta data o Mosteiro de S. Bento da Várzea já era senhor de um casal de Nabais, Póvoa de Varzim, que ele lhe deixara à sua morte.
Investiguemos a memória que as Inquirições conservam do avô paterno de D. Paio Peres Correia nas proximidades de Fralães.
Em 1220, a freguesia de S. Pedro do Monte (actual Monte de Fralães) — mencionada no Censual do Bispo D. Pedro (então com o nome de S. Cristóvão de Silveiros) século e meio antes — foi ignorada pelos inquiridores. Por isso, apesar de as Inquirições de 1220 fazerem menção das duas filhas do primeiro casamento de Paio Soares Correia (D. Ouroana, em S. Salvador de Silveiros e Nabais, D. Sancha, na «Honra dos Correias», em S. Vicente, Gondifelos) o nome deste Correia só aparece em 1258. Mas nesta data é ver quem mais o lembra.
O que vai ser dito de seguida – e que pode ser confirmado nas Inquirições de D. Afonso II e D. Afonso III – apesar de não ser de agradável leitura, é fundamental para garantir a naturalidade fralanense de D. Paio Peres Correia.
Em 1258 S. Pedro do Monte (actual Monte de Fralães, repito) era «honra antiga de Paio Correia». E Paio Correia continuava a ser D. Paio Soares Correia, não o seu insigne e quase homónimo neto, que estava no auge da sua carreira. Viatodos é, numa parte muito significativa, «Honra de Farlães», isto é, a Honra de Fralães alongava-se pela freguesia vizinha, freguesia onde se encontra repetida menção da sua primeira esposa, D. Gontinha Godins, que aí teve uma herdade, um casal e uma quinta. Duas destas propriedades prolongavam-se por Nine, onde também se fala de uma herdade e de uma quinta que a mesma D. Gontinha possuíra. Os lugares ninenses de Quintãs e Ribeira eram «honra antiga de pousada de D. Paio Correia».
Em S. Veríssimo (posteriormente integrada em Cavalões), «toda esta paróquia é honra do ilustre rei D. Afonso Henriques ou honra de D. Paio Correia», e em Cova haviam-se criado uma filha sua do segundo casamento, Maria Pais Correia, e uma neta, filha de D. Ouroana e Pêro Gravel, Sancha Peres Gravel.
S. Vicente, anexada depois a Gondifelos, «é honra antiga dos Correias desde antigamente» e foi aí criada Sancha Pais Correia, irmã de D. Ouroana. Ocorre lá o nome do seu marido, Reimão Peres, e referem-se filhos. Também aí viveu D. Maria Pais Correia, de Fiães; o texto menciona os seus filhos, os cavaleiros Rui Vasques Quaresma e Martinho Vasques.
Gresufes, incluída depois em Balasar, «é honra antiga de D. Paio Correia o Velho».
Em Nabais (Póvoa de Varzim), Paio Correria surge como pai de «D. Ouroana Pais», casada com Pêro Gravel (que terá levado os Correias para esta terra à beira-mar? Havendo por lá vários Godins, seriam eles aparentados com D. Gontinha?)
Concluindo: por onde quer que tenha andado ao longo da sua vida, as raízes fralanenses de Paio Soares Correia parecem bem fundas. Nas proximidades desta freguesia possuía largas propriedades. Ao olhar da encosta do monte d’Assaia, onde tinha o seu palácio, para nascente e sul, deliciar-se-ia com o espectáculo dos seus domínios nas férteis margens do Este, onde viviam familiares seus.
Benfeitor do Mosteiro da Várzea, Paio Soares Correia aí terá sido sepultado. Homem de corte, os seus filhos todavia terão tido a vida ligada a Fralães.
Já rastreámos alguns dos passos de D. Ouroana (e até já lhe encontrámos uma filha em Cavalões), bem como da irmã D. Sancha. Com o marido, D. Ouroana comprou uma vez em Silveiros as «herdades de Madinos».
D. Sancha também faz aquisições em S. Vicente.

Na imagem, pedra com uma rosácea sexfólia que se presume que terá pertencido à igreja medieval de Monte de Fralães, aquela em que terá sido baptizado D. Paio Peres Correia.

O APELIDO CORREIA

Para amenizar um pouco, vou agora contar uma lenda e dizer duas palavras sobre um trovador.
Há de facto uma lenda que pretende explicar a origem do apelido Correia, dos Correias de Fralães:
A história desta freguesia (Monte de Fralães) está ligada à antiquíssima Honra de Fralães, pertença da família dos Correias, cujo primeiro patriarca de que há notícia é D. Paio Ramires, um Rico-Homem em Portugal, no tempo de D. Afonso VI, rei de Leão, que teve como sucessor Soeiro Pais. Este, tendo sido sitiado pelos mouros, em Montemor-o-Velho, e tendo caído em carência de subsistência, sustentou-se, durante algum tempo, das correias da armadura e dos arreios do seu cavalo. Deste tão duro e forçado manjar tomou apelido o seu filho, D. Paio Soares Correia, o qual foi Senhor de Fralães e padroeiro das Igrejas de S. Pedro do Monte e de Viatodos, assim como já o tinham sido os seus antepassados. D. Paio Soares Correia é o avô de D. Paio Peres Correia, como já vimos. Seria mais ou menos contemporâneo de D. Afonso Henriques. Sendo assim, já pouca base histórica pode ter esta explicação da lenda, pois os mouros nessa altura já se não aventurariam até Montemor-o-Velho. De facto, parece que o apelido Correia deriva de uma função militar, que não sabemos especificar.
A propósito de Viatodos, informa as Inquirições de D. Afonso III que «em Britelos, no casal que foi de D. Gontinha criaram recentemente uma filha de João de Guilhade» (Item, dixit quod in Britelus, in casali que fuit Domne Guntine, nutriverunt modo filiam johannis de Guiladi).
É verdade, o conhecido trovador andou por estas paragens; confirma-o o seu principal biógrafo, Costa Lopes. E há até uma questão que pode embaraçar: um poema cruamente obsceno de Guilhade fala duma D. Ouroana. Mas não é nem a filha de D. Gontinha nem uma conhecida aia da Rainha D. Mafalda. Não, era apenas uma soldadeira.

A imagem é do interior do castelo de Montemor-o-Velho.

D. PÊRO PAIS CORREIA

Para determinar a naturalidade de D. Paio Peres Correia, nada melhor que reunir informações sobre o seu pai e a sua mãe. Mas elas são muito escassas.
Pêro Pais Correia, o pai do futuro Grão-Mestre de Santiago, nascido da segunda esposa de Paio Soares Correia, aparece em Balasar por causa de um amádigo. A «Vila do Casal» «toda está honrada por meio de D. Pêro Pais Correia, que aí foi criado», dizem as Inquirições.
Como seu pai, também Pêro Pais Correia terá sido frequentador do paço. O nobiliarista Felgueiras Gaio escreve sobre ele:
A este chamava a rainha D. Brites, mãe do rei D. Afonso III, «mi Padre», como consta das Inquirições do rei D. Afonso. Devia ser por ele ter alguma inspecção na sua criação.
Embora a citação contenha o erro de dizer que a mãe de Afonso III se chamava D. Brites — D. Brites poderia ser era a segunda esposa deste rei — parece confirmar que ele fosse frequentador assíduo da corte.
O mesmo autor regista ainda sobre ele a seguinte façanha pouco edificante:
... comprou uma quinta no Couto do Mosteiro de Roriz em que fez umas casas, que lhe quiseram impedir os priores dele, pelo que lhe matou dois religiosos, como consta das Inquirições do rei D. Dinis.
O casamento que fez com uma rica herdeira de terras de Aguiar e de Basto, herdeira que nem sequer tinha irmãos rapazes, mas apenas outra irmã..., tê-lo-á afastado de Fralães? Eis uma questão decisiva.
A nossa resposta, assente apenas no texto das Inquirições de 1258, é a de que parece que ele e sua família, para residência, deram preferência ao paço de Fralães sobre as terras do interior. Veremos o que se passou com alguns dos seus oito filhos — seis rapazes e duas raparigas.


A imagem representa um trísceles emoldurado que terá pertencido à igreja medieval de Monte de Fralães.

IRMÃOS DE D. PAIO PERES CORREIA NAS PROXIMIDADES DE FRALÃES

A lista completa dos filhos de Pêro Pais Correia é a seguinte: Paio Peres Correia (o Grão-Mestre de Santiago), João Correia, Martim Correia, Soeiro Correia, Gomes Correia, outro Paio Correia (o Alvarazento), D. Mor Peres Correia e D. Sancha Peres Correia.Por terras de Basto, mencionam-se uma vez, em 1258, a esposa do filho Gomes Correia e uma outra vez os «filhos de Soeiro Correia». Nada mais. É bem diferente o que se passa cá por baixo.
Gomes Correia, afinal, fora criado em S. João de Bastuço e a sua esposa viveu no Louro, cercanias de Fralães, que continua a ser o lar, o ponto de partida(1). À sua esposa, mulher com certeza muito rica, chamavam D. Maria de Fralães. Será que foi Gomes Correia quem herdou a casa?
Soeiro Correia, esse viveu por algum tempo em Nine:
Foram aí acolhidos João Lourenço da Cunha e Gonçalo, filho de João Correia, e Estêvão Martins, filho de Martim Jejuno, e Soeiro Peres Correia.
Sabendo que os Lourenços da Cunha pertenciam à primeira nobreza, vê-se que estava bem acompanhado. Soeiro Correia virá a ter um genro do Louro, João Pires Velho, familiar com certeza de um Soeiro Pires Velho que se sabe que recebera João Peres Correia em Grimancelos.
João Peres Correia é assinalado então em Grimancelos, mas também em Remelhe e em Santavaia de Arnoso.
D. Mor Pais Correia casa para Molnes, hoje Remelhe. O seu marido, Estêvão Peres de Molnes, é mencionado; ao menos um dos seus filhos, Lourenço Esteves de Molnes, aparece em Remelhe, tendo protagonizado um amádigo.
A presença de vários dos irmãos de Paio Peres Correia é assim assinalada na região:
João, em Grimancelos, Arnoso e Remelhe; Soeiro, em Nine; Gomes, em S. João de Bastuço; (o marido de) D. Mor, em Molnes. Seriam crianças de Fralães. É de crer que com os outros acontecesse o mesmo, já que seria aí o lar paterno.
João Correia, na idade adulta, continua a defender por cá interesses seus.
A mulher de Gomes Correia, «D. Maria de Fralães», recebe uma renda no Louro, porque por aí passou ao menos parte da infância. Seria das redondezas.
Verifica-se pois que o paço de Fralães (mencionado numas inquirições de D. Dinis como o paço de Paio Soares Correia) foi da maior importância para os antepassados imediatos e para os irmãos de D. Paio Peres Correia, pesem embora as razões que poderiam opor-se a esta constatação.
Sendo assim, deverá aceitar-se que ele aqui terá passado os longos e doces anos da infância, que por aqui se terá feito homem e que a Fralães se terá mantido sentimentalmente ligado ao longo das andanças variadas e tantas vezes guerreiras da sua vida.
Tudo isto configura uma situação que faz sentido se admitirmos a residência de Pêro Pais Correia em Fralães – onde lhe terão nascido os filhos.

(1) Este Gomes Correia «teve também uma acção importante na reconquista. Em 1243, aparece a confirmar um privilégio do príncipe D. Afonso em que são doadas à Ordem de Santiago as vilas de Galera, Orce, e outras próximas, como recompensa dos serviços prestados aquando da reconquista de Chinchila, e no mesmo ano, quando o futuro rei sábio confirma a doação dos castelos de Serra e do Alto Segura à Ordem de Santiago, Gomes Pires fica tenente de importante praça de Cieza» (Actas das II Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval, vol. III, Centro de História da Universidade do Porto, Porto, 1989, pp. 1030-1).
«Foi casado com Maria Anes Redondo I, filha de João Pires Redondo I, um dos cavaleiros beneficiados no «Repartimiento» de Sevilha, e de Gontinha Soares de Melo» (loc. cit.).

PAIO PERES CORREIA COMENDADOR DE ALCÁCER DO SAL

Com pouco mais de vinte anos, Paio Peres Correia terá entrado na Ordem da Cavalaria de Santiago. Assim, em 1230, é já «ádito» à Ordem. Em 1235, ostenta o título de comendador de Alcácer do Sal.
Em carta de doação da vila de Aljustrel à Cavalaria de Santiago, datada de 31/3/1235, Sancho II já se lhe dirige nestes termos: a vós, Paio Peres, comendador de Alcácer: «vobis Pelagio Petri commendatori de Alcacer»(1).Alcácer do Sal havia sido definitivamente arrebatada aos Mouros em 1218, numa difícil batalha da iniciativa do bispo de Lisboa e em que participaram centenas de Cruzados. Um deles deixou um poema que exalta o memorável acontecimento.
Ser comendador nessas paragens era então, para este jovem e aguerrido espatário, um grande desafio. Desafio que ele largamente venceu.
Provavelmente sob o seu impulso, a reconquista ganha nova dinâmica. As vitórias cristãs sobre os Mouros multiplicam-se (Moura e Serpa devem ter sido conquistadas em 1232; Aljustrel, em 1234; Mértola e Alfajar de Pena, em 1238; Aiamonte e Cacela, em 1239 ou 1240; Alvor, em 1240 ou 1241; Tavira e Paderne, em 1242).A ser assim, o autor da cantiga de escárnio é mesmo muito injusto com este novel espatário.


(1) A Aljustrel há-de Paio Peres Correia dar foral, em 1252. Veja-se a parte inicial do documento:
Esta é a carta de foro que mandámos fazer, eu, D. Paio Peres, pela graça de Deus Mestre da Ordem da Cavalaria de Santiago, juntamente com Gonçalo Peres, comendador de Mértola, com o convento do mesmo lugar, a vós, povoadores de Aljustrel tanto presentes como futuros: damo-vos pois o foro e o costume de Alcácer (...)

Na imagem, pormenor do castelo de Alcácer so Sal.

A CAMINHO DO SUL

Em 1239, Sancho II doa à Cavalaria de Santiago, na pessoa do seu comendador, Mértola, Aiamonte e Alfajar de Pena. Para a doação de Mértola, fez escrever o rei(1):
Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amen.
Saibam todos que esta carta virem que eu, Sancho II, por graça de Deus rei de Portugal, por minha boa e livre vontade, e por acordo e parecer dos meus fidalgos e ricos-homens e pelo óptimo serviço que me prestaram D. Paio Peres Correia, comendador de Alcácer, e os freires do mesmo castelo da Ordem de Santiago, e como meio de salvação da minha alma, da do meu pai, da da minha mãe e dos meus predecessores, lhes dou e concedo à Ordem de Santiago o meu castelo de Mértola, com todos os seus termos (...)
Entretanto, Paio Peres Correia tinha deslocado para esta povoação a parte da Ordem que dele dependia. Mértola era realmente um lugar apropriado para dirigir a luta a sul (2).

(1) Original em latim:
In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti amen. Notum sit omnibus hanc litteras pecturis quod ego Sanctius Secundus Dei gratia rex Portugal de mea bona et libera uoluntate et de consensu et autoritate meorum preceptorum et magnatum et promulto bono seruitio quod mii fecerunt donus Pelagius Petri Corrigia comendador de Alcaçar et fratres eiusdem casta Ordinis Milicie Sancti Jacobi et pro remedio anime mee et patris mei et matris mee et predecesorum meorum do et concedo eis et ordini Milicie Sancti Jacobi castellum meum de Mertola cum omnibus terminis suis (...)
(2) Em 1254, Paio Peres Correia concedeu foral a Mértola. Eis a parte inicial do documento:
In nomine sancte et indiuidue trinitatis Patris et filii et spiritus sancti. Amen.

Esta he a carta de foro qual encomendamos a fazer, Eu dom paay periz pela graça de deus Meestre da ordem da cauallaria de Santiago em sembra com Dom gonçalo periz Comendador de mertola e com ho conueento desse meesmo logo a vos pobradores de mertola assi aos presentes como aos que ham de viir: damos a uos foro e costume deuora por terra, e de lixbooa pelo riio e pello mar (...)

Na imagem, Matriz de Mértola (antiga mesquita) e Castelo.

UMA CANTIGA CONTRA D. PAIO PERES CORREIA

Paio Peres Correia tem um lugar na poesia. Lembra-o Camões em Os Lusíadas (Canto VIII, est. 26-27), aproveita-o Garrett na D. Branca e também inspirou poetas espanhóis.
A cantiga que aqui vamos colocar é um caso especial, já que não só lhe é contemporânea, mas comenta – depreciativamente – um momento da sua vida, o da eleição para Mestre da Cavalaria de Santiago. A versão que adopto é a de Graça Vieira Lopes em «Rostos Literários da Nobreza». O autor, Pêro Mendes da Fonseca, espatário dos arredores de Alcácer do sal, certamente por inveja, ridiculariza Paio Peres Correia, por ignorante e bisonho. Ocrês é Uclés, sede da Cavalaria de Sant’iago.

Chegou Paio de más artes
com seu cerame de Chartes;
e nom leeu el nas partes
que chegasse há um mês
e do lũes ao martes
foi comendador d' Ocrês.

[A]ssemelha-me busnardo,
vind' em seu ceramem pardo;
e, u nom houvesse reguardo
em nem um dos dez e três,
log' houve mant' e tabardo
e foi comendador d' Ocrês.

E chegou per ũa 'strada,
descalço, gram madurgada:
u se nom catavam nada
d' ũũ hom' atam rafez,
cobrou manto com espada
e foi comendador d' Ocrês.

Na imagem, cantiga de Pêro Mendes da Fonseca segundo a cópia quinhentista do Cancioneiro da Biblioteca Nacional.

PAIO PERES CORREIA NA CONQUISTA DE TAVIRA

Paio Peres Correia é o protagonista da Crónica da Conquista do Algarve, obra que o imortalizou como herói nacional. Veja-se como ele se assenhoreou de Tavira:
Enquanto os cristãos pelejaram, chegou recado ao mestre a Cacela, onde estava, e cavalgou logo com suas gentes o mais apressadamente que pôde por lhes acorrer, porque bem sabia que outra míngua não havia de passar por eles senão vencer ou morrer; e trouxe o caminho que eles trouxeram. E entrou pela porta da vila, e passou pela praça sem nenhuma contradição, e tão cioso ia por lhes socorrer que não houve sentido de tomar a vila, que bem pudera tomar se quisesse.

E quando chegou às antas e viu os cavaleiros mortos, começou com os mouros mui dura peleja; e morreu tanta gente deles que ainda hoje em dia jaz ali a ossada deles; e desde que os venceu, seguiu o alcance fazendo grande estrago em eles.
Os mouros que estavam na vila, quando o mestre por ela passou, foram espantados de sua vinda e não cuidaram que o mestre sabia disto parte e mui à pressa cerraram as portas temendo-se do que depois se seguiu. E quando os viram assim vir fugindo não lhes ousaram abrir as portas e saíram para os recolher dentro e abriram-lhes uma porta escusa que está contra a mouraria; e os Cristãos deram ali com eles e não havendo em si acordo de se defenderem, entrou o mestre com eles de volta e cobrou a vila e apoderou-se dela; e foi estranha a mortandade que o mestre e os seus fizeram em os mouros e também nos da vila, como nos que morreram fora.

E não consta se o Abem Fabila, mouro senhor deste lugar, foi em esta batalha e morreu em ela ou se ficou no lugar e o que se fez dele.
Foi esta batalha e os mouros mortos em Tavira ganhada aos mouros aos onze dias de Junho, por dia de São Barnabé, na era de mil e duzentos e quarenta e dois anos.
Tomada a vila, a deixou o mestre segura e tornou com muita gente às antas onde jaziam os cavaleiros mortos e com grandes gemidos e dor os tiraram dentre os mouros, que jaziam os corpos deles lançados no sangue, com as espadas nuas; e trouxeram-nos à vila e fizeram na mesquita-mor Igreja de Santa Maria. E mandou o mestre fazer um monumento em que pôs sete escudos com as vieiras do Senhor Santiago e ali foram soterrados todos seis e o mercador com eles, os nomes dos quais são os que se seguem: dom Pêro Paes, comendador-mor, Mem do Vale, Damião Vaz, Álvaro Gracia, Estêvão Vaz, Valério de Ossa e o mercador Gracia Rodrigues, cujos corpos foram depois tidos em grande relíquia e reverência e devoção, como a mártires que espargiram seu sangue por honra da fé de Jesus Cristo.

Imagem de cima, trecho das muralhas do Castelo de Tavira; imagem de baixo, placa toponímica na mesma cidade.

NA CONQUISTA DE SILVES

A Silves árabe fora a cidade mais rica e mais culta do Algarve. O seu porto — pois o mar quase chegava aos muros — era movimentado. Em 1189, um cruzado declarou-a dez vezes mais rica que Lisboa.
A Crónica da Conquista do Algarve conta também como ela foi tomada por Paio Peres Correia.
No castelo foram descobertas umas ossadas que os arqueólogos afirmam ser de um homem morto na tomada da cidade.
Por esta guisa que haveis ouvido, aprouve a Deus de dar a vila de Tavira em poder dos Cristãos; e depois que a deixou o mestre segura de todo o que lhe cumpria, foi a Selir e tomou-o por força e então foi cercar Paderne, que é um castelo forte e mui bom, de grão comarca, em redor de Albufeira e a serra; e estando sobre ele, mandou gente ao termo de Silves que fossem tomar a torre de Estômbar, que dantes fora sua. E foram lá e houveram-na outra vez, e quando Alamafom, seu Rei deles, que estava em Silves, soube como aquelas companhas ali eram, saiu a eles do lugar com a mais companha que pôde, porque lhe disseram que estava ali o mestre com todo o seu poder; e o mestre, como soube que era fora, alçou-se logo de sobre Paderne e veio-se lançar sobre Silves. Alamafom, indo para a torre de Estômbar, achou novas que não era ali o mestre e que não estava ali mais gente que aquela que tomara a torre e a defendiam; porém, quis lá chegar e logo mui à pressa se tornou para a vila e logo se temeu do que era, e o mestre lançou-lhe uma cilada que lhe tinha já tomado as portas e as gentes repartidas por elas. E El-Rei Alamafom, quando isto viu, querendo entrar por força por a porta que chamam de Zóia, porque era lugar desembargado, encontrou-se ali com o mestre, que tinha a guarda dela; e el-Rei mouro vinha com todos os seus juntos e ali se viu o mestre com grande trabalho com eles e foi a peleja em um campo fora, junto com a vila, onde ora está uma igreja que se chama Santa Maria dos Mártires, e os mouros fizeram muito por cobrar a porta e se meteram sobre a torre de Zóia, porque é bem saída e marcos para fora. Mas isto não lhe prestou nada, porque os Cristãos andavam em volta com eles e assim entraram com eles pela porta da vila; e ali foi a peleja tão grande em guisa que mais Cristãos morreram ali que em outro lugar que se no Algarve tomasse. E El-Rei mouro andou pela vila em redor e quisera-se acolher pelo postigo da traição a um alcácer em que ele morava e achou o postigo embargado. Foi para se acolher por outra porta da vila e achou-a cerrada e então, de desesperação, deu de esporas ao cavalo e fugiu e passando por um pego afogou-se ali. E o acharão depois morto e agora chamam àquele lugar o Pego de Alamafom.
Dos mouros que ficaram ao alcácer e o trabalharam de o defender quanto podiam e o mestre não o quis combater que segurou-os que viessem à vila se quisessem e aproveitassem suas herdades e lhe conhecessem aquele senhorio que conheciam ao Rei mouro, e assim fez aos outros lugares que tomou e não combatiam os alcáceres em que se os mouros recolhiam mas segurava-os a que vivessem nas terras por serem aquelas aproveitadas e depois ali edificada uma igreja catedral e foi feita a cidade.
Então se tornou o mestre a Paderne, que antes tivera cercada, e tomou a vila e o castelo por força e não se pleitearam com eles matando os mouros por dois cavaleiros freires que aí mataram. Esta vila de Paderne se mudou naquele lugar que agora chamam Albufeira, porém ainda a outra está murada e corrigida com seu castelo e uma cisterna mui boa dentro.
Almeida Garrett aproveitou este episódio para a sua D. Branca, onde entra Alamafom.Imagem ao cimo, Silves com o seu castelo; segunda imagem, placa da Rua D. Paio Peres Correia em Silves; terceira, a tomada de Paderne, ilustração do romance The Lord of Paderne de Pedro Oliveira Pinto (a quem a agradecemos).

GUERRA CIVIL

Em 1245, quando o rei português Sancho II é declarado pelo Papa incapaz de governar, «rei inútil», Paio Peres Correia está ao serviço de Castela. O mesmo Papa nomeia para curador e defensor do reino o Conde de Bolonha, irmão de Sancho II. Quando este desembarcou em Lisboa, em fins de Dezembro de 1245, acorreu a recebê-lo o subordinado de Paio Peres Correia, Gonçalo Peres Magro, comendador de Mértola. Vão seguir-se três anos agitadíssimos de guerra civil. O rei de Castela, Fernando III, e o seu herdeiro apoiarão Sancho II. Paio Peres Correia acatará as instruções papais, recusando-se a apoiar quem não governava e colocando o seu prestígio ao serviço do Conde de Bolonha. Outro tanto terão feito diversos membros da família Correia, alguns dos quais eram companhia constante do Mestre de Sant’Iago nas lides da reconquista.
Por fim, Sancho II, exilado em Toledo, morre em 1248.
O pouco escrupuloso Afonso III, apesar de casado com Matilde de Bolonha, por quem recebera o título de conde, negoceia um escandaloso casamento com uma bastarda do infante de Castela, ainda criança. E o caminho para a pacificação entre os dois Afonsos peninsulares. Uma pacificação que não vai ser definitiva tão cedo e para que há-de ser chamado a dar o seu contributo o Mestre de Sant’Iago.

De novo no Algarve

Henrique David e José Augusto P. de S. M. Pizarro são de opinião que, logo no ano que se seguiu à tomada de Sevilha, Paio Peres Correia se teria encontrado ao lado de Afonso III, quando da conquista de Faro, em acordo, de resto, com o que ensina a Crónica da Conquista do Algarve. A resolução definitiva das reivindicações comuns dos dois reis Afonsos sobre o Algarve ocorreu apenas depois da submissão de Niebla, quando Afonso III, já genro de Afonso X, lhe envia a Sevilha o infante herdeiro, Dinis, de quatro anos. Paio Peres Correia fez parte da equipa que em Abril de 1263 estudou e deslindou em definitivo a situação.
Mas o Algarve vai ser ainda preocupação de Paio Peres Correia quase até ao termo da sua vida. De facto, seguindo uma política de libertar a Algarve de toda a ingerência de Castela, Afonso III conseguiu que a Ordem de Sant’Iago renunciasse, em 1272, aos seus castelos de Tavira, Cacela e Castro Marim, aparentemente sem contrapartidas. Tenha-se em conta que em Portugal não havia mais terreno mouro a reconquistar e que a sede desta Ordem era em Castela. Paio Peres Correia é quem assume a renúncia, como consta do respectivo documento, datado de 7 de Janeiro 1272, e que é uma Carta de Renúncia da Ordem de Uclés feita a El-Rei sobre Tavira, Cacela e Castro Marim com seus termos.[1]

[1] É esta a carta:
Carta Renunciationis Ordinis d’Ocles facte domino Rege super Tavira Caçala et Castro Marim cum suis terminis.
Noverint universi presentem cartam inspecturi quod nos domnus Pelagius Magister Ordinis Milicie Sancti Jacobi et Johannes Reymondi Comendator de Cacem et procurator Capituli eiusdem Ordinis nomine nostro et Ordinis supradicti renunciamus donationibus super Tavira Caçala Castro Marim cum terminis suis nobis a regibus Portugalie factis vel a quocumque alio si fieri potuerint et confirmationibus a domino Papa vel ab aliquibus aaliis super predictis locis factis et omnibus instrumentis litteris juribus actionibus nobis et Ordini super supradictis locis quoad temporalia competentibus et promitimus sub pena decem milium marcorum puri et examinati argenti prout in sententiam lata per viros predictos et discretos dominum Gomecium dictum Legum canonicum Zamorensem religiosum virum fratrem Geraldum doctorem Fratrum Predicatorum Ulixbonensem et Dominicum Johannis canonicum Elborensem plenius continetur nos nec Ordinem nostrum non venire contra dictam sententiam nec contra aliquem articulum de his que in ipsa sentencia continetur retento tamen nobis et Ordini nostro jure patronatus in locis omnibus supradictis.
Datum Ulixbone VII die Januarii Era Mª CCCª X.

Fr. Diogo Brandão, Monarchia Lusitana, IV parte, apêndice.

PELAYO PÉREZ CORREA

D. Paio Peres Correia é uma grande figura peninsular. Em Espanha a sua acção foi muito mais relevante do que a que desenvolveu em Portugal. Lá, é conhecido como Pelayo (ou Pelay) Pérez Correa. Quem procurar este nome no Google, verifica que ele ocorre muito mais em espanhol que o seu correspondente português.

Em Segura e no Reino de Múrcia

Volvidos cerca de dez anos sobre a entrada de Paio Peres Correia na Ordem da Cavalaria de Sant’Iago, esta confiou-lhe maiores responsabilidades. Desde 1241, encontramo-lo em Castela. Em 1242, é já Mestre de Uclés e actua sob o comando do Grão-Mestre Rodrigo Iñiguez. Em finais do ano, assume, ele próprio, em Mérida, o Grão-Mestrado da Ordem, o que o vai tornar um dos homens mais influentes da Península e o porá em convívio assíduo com reis e príncipes. Paio Peres Correia terá algo mais que trinta anos. O príncipe Afonso de Castela tem menos dez a quinze. Entre eles, vai gerar-se uma estreita amizade, a ponto de, em 5 de Setembro de 1243, o príncipe, ainda solteiro, prometer confiar-lhe a criação do primeiro filho que viesse a ter. Paio Peres Correia passará a estar a seu lado em todas as iniciativas bélicas.
Sobre este período da vida de Paio Peres Correia, escreve José Mattoso[1]:
Coberto de glória devido aos seus triunfos militares, foi depois solicitado para outras empresas guerreiras na Andaluzia. De facto, encontramo-lo desde 1243 junto do infante D. Afonso de Gastela, o futuro rei Afonso X, o Sábio, que nesse ano comandou as tropas castelhanas que conquistaram Múrcia. Provavelmente também o acompanhou no ano seguinte, na conquista de Lorca e de Mula, povoações que pertenciam ao mesmo reino e não se entregaram juntamente com a capital. Encontramo-lo depois com o infante Afonso de Molina na conquista de Aljarafe, em 1245, nas conquistas contra o rei de Niebla, em 1247, e finalmente no cerco de Sevilha, onde desempenhou um papel do maior relevo, ao lado das tropas de Fernando III e de muitos portugueses (...)


A pprimeira vez que a Historia de España [2] nos apresenta Paio Peres Correia em acção mostra-no-lo ao lado do seu superior hierárquico, Mestre Rodrigo Iñiguez, em 21/8/1242, a receber de Fernando III «a vila e o castelo de Segura com seus termos, com os que tinha e os que devia ter, mas excluía as vilas pertencentes ao reino de Múrcia, e os termos que tinham os concelhos de Riopal, Alcaraz, Baeza e Úbeda, assim como as que eram do reino de Jaén»[3].
Segura tornar-se-ia o ponto de apoio para o avanço sobre Múrcia.
E a Historia de España continua, apontando a magnitude das dádivas que à mesma Ordem iam sendo concedidas, agora já sob a direcção superior de Paio Peres Correia[4]:
Eram razoáveis tais excepções, pois já se tinha iniciado a penetração castelhana por outra parte. Realmente a Ordem não o sentiria ante a magnitude das perspectivas. Por um lado, obteve de Fernando III, outorgando-lho o infante herdeiro em 15 de Fevereiro de 1243, a doação da vila de Galera, junto a Huéscar, como prémio pela participação na conquista de Chinchilla; incluía as suas aldeias (Orce, Cazalla, Ytur, Cuevas de Almizra e Color).
Por outro lado, o infante confirmou, em 15 de Julho de 1243, à Ordem a doação de Segura e destes castelos já dados pelo rei Fernando: Moratalla, Socovos, Férez, Vicorto, Letur, Pliego, Abejuela, Liétor, Ayna, Benizar, Nerpio, Taibilla, Yeste, Agra, Catena, Albánchez, Huéscar, Miravete, Buleirola, Burgeia e Guta, todos eles com as suas aldeias povoadas ou por povoar.
As investidas contra o reino de Múrcia tinham começado em 1239. Nelas participaram muitos portugueses, além de Paio Peres Correia. É o caso, por exemplo, do Infante Fernando de Serpa e dos conceituados parentes do Mestre de Sant’Iago Gonçalo Anes do Vinhal (genro do também activo guerreiro Gil Gomes) e Martim Anes do Vinhal, e do irmão de Paio Peres Correia, Gomes Peres Correia. Em Abril de 1241, conquistada já Chinchila, o rei Fernando III ordenou ao Mestre de Sant’Iago, Rodrigo Iñiguez, que efectuasse uma expedição a terra murciana — que acabará por ser terminada por Paio Peres Correia[5]:
Este achava-se a realizá-la em profundidade quando teve que suspendê-la em finais de Agosto, ao receber uma citação uma dos juizes apostólicos, devendo estar em Valhadolide a 11 de Setembro de 1241, para declarar num pleito que mantinha com o arcebispo de Toledo. Ao passar por Santa Cruz (de la Zarza) caiu enfermo, pelo que teve que delegar no comendador de Uclés (Paio Correia), segundo explicou: «como estivéssemos em terra de mouros além Múrcia com o nosso poder e com a nossa hoste por mandado de nosso senhor o rei, foi-nos dito»...
E continuamos a citar, para referir o nome de dois companheiros portugueses de Paio Peres Correia:
Talvez nessa campanha actuasse com certa autonomia Gil Gomes, o qual ganhou um castelo, entre outros; el-rei Fernando, em 3 de Fevereiro de 1242, deu-lhe o castelo de Yéchar, próximo de Mula, junto com os de Vicorto, Guta e Abejuela, que havia ganhado na Serra de Segura. Gonçalo Anes do Vinhal, sobrinho de Gil Gomes, também participou na guerra.
Voltando à Ordem de Sant’Iago e ao seu Mestre, continua a nossa fonte:
Por sua parte, o infante D. Afonso, a 13 de Fevereiro de 1243, agradeceu à Ordem de Sant’Iago a ajuda prestada antes, na conquista de Chinchilla e de outros castelos, e doou a vila de Galera. Múrcia rendeu-se ainda em Fevereiro de 1243.
A Crónica Geral de Espanha de 1344 fala-nos assim deste acontecimento[6]:
Depois que o iffante se partio de seu padre, foisse a Toledo. E, en se querendo partir dhi pera a frontarya, chegaron messegeiros de Abehudiel, rey de Murça, e hyam con embaixada a el rey dom Fernando, em que lhe mandava dizer que lhe darya o reyno de Murça con todas suas villas e castellos con certa preitesia. O iffante, quando vyo os messegeiros e vyo sua embaixada e a preitesya qual era non os leixou hir mais adeante. E outorgoulhes a preitesia en nome de el rey seu padre e fezeos logo tornar e foysse empos elles. E quando chegou en Alcara, tornaraõ aquelles messegeiros del rei Abehudiel a el con sua preitesya firmada por el e outorgada por todos seus sogeitos. E desi firmaron bem seu preito e foisse o iffante dom Affonso con elles e hya com elle o meestre dom Paae Correa e Ruy Gonçalvez Girom e outros muitos fidalgos. E os mouros entregaron o alcacer de Murça ao iffante com todallas outras fortellezas e couzas que lhe prometeron, segundo em suas preitesias era contehudo.
Vê-se que, na hora de estudar as condições do pacto, o infante Afonso de Castela não dispensou o conselho do seu sagaz e dedicado companheiro de armas.
Entre os castelos que agora se entregavam, estava Cieza, de cuja tenência havia de ficar responsável Gomes Peres Correia, irmão do Mestre de Sant’Iago.
Entretanto, verificou-se por terras de Múrcia uma situação grave de carestia alimentar. Isso vai motivar outra intervenção do Paio Feres Correia[7]:
E, estando ally, chegou o iffante dom Afonso que vinha do reyno de Murça onde fora, segundo dissemos. E el rey ouve con elle muy gram prazer. E partiosse logo dalli e seu filho con elle. E foronse a Burgos e fez entom poer veeo a sua filha dona Biringella nas Olgas de Burgos.E, feito esto, mandou el rey guisar o iffante dom Affonso e envyouho ao reyno de Murça cõ grandes arracovas carregadas de viandas e con elle o meestre dom Paae Correa.
Paio Peres Correia continua ao lado do infante. E vão agora tomar Mula.
Conta a mesma Crónica[8]:
E, depois que as estragou (Mulla, Lorca e Cartagena), ouve conselho con o meestre dom Paae Correa e con outros cavaleiros que andavon con elle se hyria cercar Mulla e acordaron todos que sy, ca elles sabyam bem como o logar estava minguado de mentiimentos. E tanto os cõbateo e afficou e por a gram fame que os de dentro avyam, que se ouveron de dar e meter en poder dos cristaãos.
Viu-se atrás que Paio Peres Correia acompanhou, em 1245, o infante Afonso de Molina na conquista do Aljarafe, mas sabe-se igualmente que ele surge de novo na conquista de Jaén, no ano seguinte. O parágrafo da Crónica Geral de Espanha que se segue mostra-nos o Mestre de Sant’Iago ao lado de Fernando III, que lhe requer conselho sobre como prosseguir a guerra[9]:
E, en estando hy (o rei D. Fernando III, em Martos), chegou o meestre dom Paae Correa que viinha do reyno de Murça, onde leixara o iffante dõ Afonso, segundo ja ouvistes, e prougue muyto a el rey con sua viinda. E ouve con elle conselho que maneyra teerya en sua guerra, ou qual logar cercaryam primeiro. E o meestre lhe conselhou que fosse cercar Geen. E el rey teveo por boon conselho e desi acordarõ logo como a fossem cercar e como lhe posessem suas bastidas e quantos ricos homeens e concelhos stevessem continuadamente no cerco e quanto tempo cada huuns.
(1) Op. cit., pág. 562.
(2) Referimo-nos à Historia de España Menéndez Pidal, tomo XIII, vol. 1º e 2º, cujas citações vamos sempre traduzir.
(3) 1º vol., pág. 58.
(4) Ibidem.
(5) Ibidem, págs. 60-61.
(6) Vol. IV, cap. DCCCXII.
(7) Op. cit., págs. 430-431.
(8) Ibidem, pág. 434.
(9) Págs. 436-437.


Na primeira imagem, Paio Peres Correia no retábulo do altar-mor do Mosteiro de Tendudia, pró
ximo de Sevilha (uma fotografia melhor desta imagem encontra-se aqui e com a particularidade de poder ser vista por secções); na segunda, fragmento inicial de um documento de Afonso X em cuja segunda linha, final, e terceira, início, se lê: «dom Pelay Pérez maestre la Orden de la Caballería de Santiago», isto é, «D. Paio Peres (Correia), mestre da Ordem da Cavalaria de Sant’Iago»; na terceira, Catedral de Múrcia; na quarta, croqui da Penísnsula Ibérica onde se assinalam lugares diversos a que ficou ligado o nome de Paio Peres Correia; e na última, Castelo de Jaén.
Fonte: Historia de España Menéndez Pidal

NA CONQUISTA DE SEVILHA

É por iniciativa de Fernando III que, a partir de 1246, se iniciam os pre­parativos para o assalto a Sevilha. Será uma acção da maior envergadura. A Crónica Geral de Espanha, que segue um texto anterior da responsabilidade de Afonso X, destaca o papel de primeiro plano que aí desenvolveu o Grão-Mestre de Sant’Iago.
Esse papel verificou-se não só no teatro das operações, mormente na margem direita do Guadalquivir, mas no próprio conselho em que se decidiu a estratégia a adoptar. Veja-se a narrativa que regista o conselho de Fernando III, havido em Jaén, «com seus ricos homees sobre qual o logar hiria ou que maneira teerya na guerra»)[1]:

E a esto cada huu dava sua divisa, segundo seu entender. Mas o meestre dom Paae Correa e outros boos cavaleiros e muy sabedores de guerra disseron a el rey que fosse cercar Sevilha e que, se a cobrasse, que per ella cobrarya todo o al e que seria mais sen trabalho e con mais pequena custa e sem muyta lazeira d’alguus. Mas esto contradisseron outros, dizendo que Sevilha era logar grande e muy pobrado e que non seria muy ligeiro de cercar mas pero se el rey tal cousa quisesse cometer, que primeiro compria correr e estragar a terra per alguas vezes e, depois que a bem quebrantada tevessem e os mouros bem apremados, que entõ seria bem de a hir cercar. Mas o meestre dõ Paae Correa e os outros que primeiro conselharon o cerco de Sevilha disserõ a el rey que o tempo que posesse em corrimentos e fazer cavalgadas e cercar outros pequenos logares que melhor era de o poer sobre Sevilha e que, tomandoa, cobrava todo o al e que, por esta razon, melhor era de acabar todo per huu afam e per huu tempo que por muytos. E demais que poderia seer, se lhes dessem tal vagar, que elles se avisariã de guisa que seria depois muy forte cousa de começar e que por esto melhor seria de começar esto cedo que tarde. E, ditas estas palavras e outras muytas, acordousse el rey con todolos outros en este cõselho.
Em termos práticos, as coisas não foram tão simples como se depreenderia da proposta do Grão-Mestre de Sant’Iago. A Historia de España relata assim os preparativos do avanço sobre a grande cidade do Guadalquivir[2]:
O evidente era que se necessitava da cooperação de uma frota capaz e mais forças de terra suficientes, o que tudo exigia tempo e dinheiro. Por isso se aprazou o assédio para o ano de 1247.
Enquanto chegava o momento previsto, o rei não desperdiçou a estação para uma campanha preparatória. Saiu de Jaén em direcção a Córdova, na qual se documenta durante a segunda quinzena de Setembro de 1246. Depois de reunir as forças que pôde, iniciou a marcha para Carmona, e estragou o que achou fora de muros. Pus assédio a esta cidade e logo concorreu o rei de Granada. Coberto o objectivo de razziar aquela comarca, levantou o assédio retomando a marcha para Alcalá de Gadaira. Nesta fizeram impressão os danos causados pelos cristãos a Carmona, em consequência os muçulmanos decidiram entregar-se ao rei de Granada, o qual logo a deu ao de Castela.
D. Fernando ficou em Alcalá, reparando as defesas e abastecendo o castelo. Entretanto, enviou umas forças com o seu irmão o infante de Molina e com o mestre de Sant’Iago para correr o Aljarafe; e outras com o rei de Granada, o infante Henrique e o mestre de Calatrava para Jerez, com análogo fim. Cumpridas essas tarefas, o monarca cristão regressou a Córdova e logo a Jaén, preocupado com a morte de sua mãe, ocorrida a 8 de Novembro, cuja notícia tinha recebido em Alcalá. Finalmente, havia de enviar o seu irmão Afonso para que em parte a substituísse.

Por sua vez, a Crónica Geral de Espanha refere, como segue, os mesmos acontecimentos[3]:
E, depois que el rey dom Fernando estragou Carmona, foisse pera Alcalla. E os da villa, quando souberon que el rey de Graada viinha com el rey dom Fernando, sairon a elle e deronselhe. E elle deu logo o castello a el rey dom Fernando. Esteveron entõ aly alguuns dias e mandou el rey correr o Exarafe a dom Afonso, seu yrmãao, e ao meestre dõ Paae Correa. E mandou a el rey de Graada e a seu filho, dom Ãrrique, e ao meestre da Callatrava que fossem correr Exarez. E elle ficou em Alcala afortelegando o logar e bastecendo o castelo.
D. Fernando, já se viu, não se ocupou muito tempo com a morte de sua mãe. Dentro em pouco está de volta para o seu empreendimento. Submete Carmona, Cantolhana e Guilhena. Depois, embora doente, manda cercar Alaclá del Rio. Não foi tarefa fácil, mas a cidade acabou por se render.
Entretanto, a frota que vinha do Norte foi afrontada por «gram poder de Tamar e de Cepta e de Sevilha per mar e per terra». D. Fernando envia tropas em seu socorro; os mouros aliviam então a pressão sobre a frota, mas, logo que as tropas se afastam, caem de novo sobre ela. Os da frota, todavia, vencem as forças mouras.
Os Sevilhanos tentaram então barrar, no Guadalquivir, o caminho à frota e «sayron gram companha delles pera hyr contra Reymõ Bonifaz onde vinha pello ryo açima». Mas também aqui foram vencidos.
A Crónica Geral de Espanha dedica agora todo o seu capítulo DCCCXXV a Paio Peres Correia. Intitula-se ele: “Como o meestre pousou da outra parte do ryo so Esnalfarag».
Conta a estoria que dom Paae Correa, meestre da cavalaria de Santiago, com seus freires e outros segraaes que com elle acõpanhavõ que eram per todos duzentos e oiteemta cavaleiros, passou o ryo da outra parte e pousou so Esnalfarag, a grande perigo de sy e de suas gentes, ca mayor perigo era daquella parte que da outra de que pousava el rey, ca Abenafon, que a essa sazon era rei de Nevra, estava daquela parte e trabalhava quanto podya por os embargar. E estavam com elle todollos mouros dessa terra e eram tantos, antre os que hy estavam e os que lhe viinham em ajuda da parte do Exarafe, que era maravilha de veer. E por esta razon eram os cristãaos em grande afronta, ca nuca podyam folgar se nõ sempre estar com elles pelejando. E, pero que os cristãaos os vençiam e matavon deles muytos, os que ficavõ e os outros que creciam nunca os leixavã folgar.
Veendo el rey Fernando o gram perigoo em que estava o meestre dom Paae Correa e todollos que com elle erã, mandou allo passar dom Rodrigo Frolles e Afonso Tellez e Fernand’Yvanes. E estes tres levaron cen cavaleiros com os quaes forom muy bõos ajudadores ao meestre e seus freires.
Este Abenafon, aliás Ibn Mahfut, segundo José Mattoso, é um guerreiro que Paio Peres Correia conheceria já desde a campanha do Algarve. Parece ter sido adversário de monta.
A Crónica Geral de Espanha dedica longa série de capítulos ao cerco de Sevilha. Vamos reunir agora as referências que aí se fazem ao Grão-Mestre de Sant’Iago.
O capítulo DCCCXX VI dedica dois parágrafos aos seus feitos. Lê-se aí:
(...) o meestre dom Paae Correa e os outros ricos homees que com el estavon da outra parte do ryo, segundo ja ouvistes, cavalgarom sobre Golles e cõbaterõna e entrarõna per força e inataron todollos mouros que dentro acharom e levarõ muy grande algo que hy acharom. E, em se tornando per Tyriana, sayiu a elles gram cavalarya de mouros e muitos peõoes com elles e ouverõ com elles gram batalha. E foron os mouros vencidos e mortos muytos delles e os cristãaos tornarõsse muy hõrados pera seu arreal.
E, estando em elle, os mouros sahiam a elles cada dia muy amehude e seguyãnos muyto e fazianlhes grande dano em bestas e homees de pee. Mas o meestre e os outros ricos homeens deitaraonlhe hua cilada. E os mouros, sayndo como suyam, trabalharon por se poer a salvo. Mas, ante que se acolhessem, ficarõ hy trezentos mortos e muytos presos. E seguirõnos ataa o castelo. E, des aquel dya em deante, foron os mouros escarmentados de non seguir tanto a hoste dos cristãaos.
A partir deste momento, os Sevilhanos estão já quase entregues à sua sorte. O cerco cerra-se cada vez mais. Mas a mortandade dos mouros às mãos de Paio Peres Correia não fica por aqui.
O capítulo DCCCXXIX intitula-se “Como o meestre dom Paae Correa desbaratou o arraiz que partia de Sevilha”. Eis o que aí se escreve:
Conta a estoria que o meestre dom Paae Correa, estando sobre Esmalfarag em seu arreal, ouve novas como sayra de Sevylha huu arraiz e passara a Tyriana por se meter no castello de Esnalfarag. E elle, logo que o soube, foisse meter em çilada. E o arraiz, em passando, sayu o meestne a elle. Pero non se lhe guisou assi como el cuydava, ca estava a çilada muyto longe do logar per onde o arraiz passava. E, depois que o meestre foy descuberto, o arraiz foisse acolhendo o melhor que pôde pero non tam bem que o meestre o nõ encalçasse. Mas era ja preto do castello. E matoulhe nove cavaleiros e derribou elle do cavalo e per pouco nõ foy preso, ca se nõ fora o grande poder dos mouros que lhe acorrerõ, assi dos que estavã no castelo como dos que viinham com elle, todavia el fora preso. Mas desta guisa escapou e meteosse no castello. (...)
No cerco de Sevilha, a tarefa de Paio Peres Correia foi do maior alcance e de grande dificuldade. Talvez por isso, conforme se relata no cap. DCCCXXXIII da Crónica, Fernando III fez uma visita, certamente de cortesia e agradecimento, às tropas do Mestre[4]:
Huu dya aveo que el rei dom Fernando passou Agua d‘Alquivyr e foy veer o meestre dom Paae Correa.
O cerco prolongou-se por quinze penosos meses. Sofreram muito os sitiados, mas sofreram também os sitiantes. Um destes deixou estas expressivas linhas[5]:
Ca las calenturas eram tam fuertes e tan grande el encendimiento, que se morian los omes de gran destemplamiento, ca eram corrompidos del aire, que non parecia sino fuego, y corria tan escalentado como si de los infiernos saliese, y todolos omes andavan todo el dia corriendo por agua del gran calor que fazia, tan bien estando por sombra como andando por fuerza, y por donde quiera que andavam como si en baño estuviessen; y por esta razon y por los grandes quebrantamientos e lacerias que sufrian, perdianse y grandes gentes.
Quando a cidade se rendeu, os Sevilhanos tiveram um mês para se desfazerem dos seus haveres e deixarem a cidade livre. Passaram a África, então, 300.000 mouros andaluzes. [1] Op. cit., pág.440.
[2]
[3] Págs. 441-442.
[4] Pág. 459.
[5] Enciclopedia Universal Ilustrada Europeo-Americana, Espasa-Calpe, S.A., Madrid, tomo LV, pág. 878.

Imagens: em cima, La Giralda, a torre árabe da Catedral de Sevilha; depois, a Torre do Ouro, junto ao Guadalquibir, também em Sevilha; em baixo, Paio Peres Correia num medalhão de Salamanca (reparar no Sol, representado ao lado direito da cabeça, como alusão ao "milagre" de Tentudia).

NIEBLA — 1247 e 1262

Os domínios do rei de Niebla, antes da campanha algarvia de Paio Peres Correia, estendiam-se para poente até à costa atlântica. Após ela ficaram muitos reduzidos a ocidente. Restavam-lhe aí algumas praças junto ao mar, como Faro, certamente a principal delas. A conquista de Aljarafe, em 1245, em que participou Paio Peres Correia, ao lado do infante Afonso de Molina, mais insustentável há-de ter deixado a posição de Ibn Mahfut, já que o isolava da restante Andaluzia. Em plena campanha preparatória do cerco de Sevilha (1247), de novo com a participação de Paio Peres Correia, empreende-se a conquista do reino.
Após a conquista de Sevilha, Fernando III confirmou Ibn Mahfut, que se passara para o seu lado e o ajudara, em Niebla, sob soberania sua.
Na Crónica Geral de Espanha, escreve-se que[1]:

E esto porque andava cõ el Abemafõ, que fora rey de Sevilha, ao qual el rey dõ Fernando prometera Exarez e Esnalfarag e Nebra, e outros lugares que eram comtheudos na preitesia que amtr’elles era firmada, a qual el teve muy cõpridamete.

Por seu lado, a Historia de España ensina[2]:

O último sobrevivente, Ibn Mafot, taifa de Niebla, tratou de conservar os seus domínios pelo mesmo processo que usaram os Banu Hud em Múrcia e os nasries de Granada: submeteu-se ao herdeiro de Castela, Afonso, que deste modo se viu convertido no soberano do último território do Islão.

A campanha que definitivamente integrou Niebla em Castela, essa data apenas de 1262. Dirigia ainda o reino Ibn Mahfut. Provavelmente, terá falhado algum dos compromissos assumidos para com Afonso X. Niebla caiu, depois de um cerco difícil, em que intervieram armas de fogo, em 12 de Fevereiro de 1262.
Não sabemos se Paio Peres Correia presenciou o fim deste seu inimigo de longa data.

[1] Pág. 490
[2] Tomo XIII, 2º vol., pág. 539.

PAIO PERES CORREIA NA LENDA E NA LITERATURA

A hagiografia milagreira também se apoderou da biografia de Paio Peres Correia. Assim, a tradição atribui-lhe dois retumbantes milagres:
Em dada altura da sua actividade bélica, qual Moisés no deserto, mandou que de um penedo jorrasse água para dessedentar os seus homens. O segundo milagre não é de menor porte: como Josué, o bíblico sucessor de Moisés, noutra ocasião, ordenou ao Sol que sustivesse a sua marcha nos céus para ter oportunidade de terminar uma batalha.
Do primeiro destes milagres, “acontecido” em Tentudia, próximo de Sevilha, conserva memória a quintilha seiscentista já ciatda no princípio deste trabalho:

Farelães é o solar
que aos Correias deu o ser,
e D. Paio veio a ter,
o qual fez o Sol parar
para os Mouros vencer.

Existiu em Tentudia um mosteiro a honrar este milagre.
N'Os Lusíadas, Camões evoca a figura deste Mestre de Santiago e tem o bom senso de passar ao lado da lenda. Cantou o Épico:

Olha um Mestre que dece de Castela,
Português de nação, como conquista
A terra dos Algarves e já nela
Não acha quem por armas lhe resista.
Com manha, esforço e benina estrela,
Vilas, castelos toma, a escala vista.
Vês Tavila tomada aos moradores
Em vingança dos sete caçadores?

Vês, com bélica astúcia, ao Mouro ganha
Silves, que ele ganhou com força ingente?
É Dom Paio Correia, cuja manha
E grande esforço faz enveja à gente.

Garrett aproveitou, na Dona Branca, da figura do Grão-Mestre de Santiago. Leiam-se alguns versos:

O arauto, com solene e grave passo,
A Dom Pato caminha e, volteando
Três vezes no ar o seu bastão doirado,
Em som lento e pausado assim lhe fala:
«Da parte do mui alto e poderoso
E temido senhor, rei Dom Afonso
De Portugal e Algarves, a Dom Paio,
Mestre de Santiago, cavaleiro
Muito nobre e esforçado, vem Dom Nuno;
Sua embaixada traz. »

Este, inclinando-se, ao Mestre, disse então:

«Senhor Dom Paio:
El-rei e meu senhor, que a vós me manda,
Vos envia saudar, como a quem preza
E muito estima vossas nobres partes,
E à respeitável Ordem de Santiago,
Cujo sois digno Mestre. Sabei como
Prouve ao muito alto rei de Leão, Castela,
De Toledo, de Córdova e Sevilha,
Múrcia e Jaén, imperador augusto,
Sempre feliz, a meu senhor e amo,
El-rei de Portugal, neste seu reino,
Investi-lo do Algarve e vos ordena
Que lhe entregueis castelo e fortalezas
E lugares e vilas que heis tomado
E preito lhe façais e homenagem,
Como a senhor e rei.»

E houve ainda a cantiga satírica que já transcrevemos.
Mas não foram apenas escritores portugueses que se aproveitaram da figura de Paio Peres Correia. Também dele se serviu o espanhol Lope de Vega em El Sol Parado.
Recentemente, terá sido publicado um romance (?) de Pedro Oliveira Pinto, intitulado The Lord of Paderne, sobre a conquista de Paderne por Paio Peres Correia. A obra deu origem a umas ilustrações modernistas, de que é exemplo o retrato do próprio protagonista .
Dos castelos do brasão nacional diz-se que são do sul do Alentejo e do Algarve. Sendo assim, eles homenageiam as conquistas de D. Paio Peres Correia.

E O SOL PAROU

Da edição de El Sol Parado em linha, apresentamos o texto relativo à paragem do Sol, quase o final da obra, que faz de Paio Peres Correia o Josué português. Mae. é o Mestre de Santiago D. Paio Peres Correia, as outras abreviaturas indicam personagens secundárias. Naturalmente haverá algumas falhas na cópia actualizada do texto.
Durante a prece inicial, o guerreiro encontra-se de joelhos.



Mae. Santa María Señora,
Laurel, palma, huerto, fuente,
Ciprés, rosa, oliva y lirio,
Madre y Virgen ahora y siempre!
Detén Señora tu día,
Que mandar al Sol bien puedes
Que tiene a los pies la luna
Y tanta estrella en su frente.
Cristo, por cuya Fe santa
No ay aquí quien no profese
Defendiéndola morir,
Haz que el Sol su curso cese,
Y si Josué mereció
Que se detuviese, tenle
Por ser día que tu Madre
Nació para que nacieses.
Tu, Virgen, detén tu día.
Cam. Cielos, el Sol se detiene!
Mae. Santiago, Freiles, Santiago,
Cierra España, a ellos Freiles!

Comenzando el Sol a caminar un Ángel detenga el Sol y mientras este se hace con música adentro se da la batalla y entren e salgan acuchillándose Moros y Cristianos y Pelayo e salga después el Maestre y los suyos e tragan Moros cautivos e Filenay Mengo.

Mae. Todo el tiempo que ha durado
Al pie dista fuerte sierra
La confusión de la guerra
Hemos visto el Sol parado.
¡Virgen, vuestro santo día
Mereció tan raro ejemplo!
Aquí he de labrar un templo
Llamado Detén tu día
Por memoria dista hazaña
Y su vencimiento raro.
Cam. Gran Josué, nuevo amparo
Del nuevo Israel de España,
Milagro es grande que Dios
Por el ruego de María
Hiciese claro el día
Porque vencieseis vos.
Labrad el templo que es justo,
Porque el agradecimiento
Causa en el cielo contento,
Y la ingratitud disgusto.
Na imagem ao cimo, fragmento da Jerusalém Conquistada, do mesmo Lope de Vega, onde também se alude ao "milagre" do Sol parado; em baixo, fragmento de El Sol Parado onde encontramos como que uma auto-apresentação do Mestre de Santiago.

TENTUDIA

Tentudia tem um interesse particular para o estudo de D. Paio Peres Correia.
Bem se vê que muito do que sobre este lugar se afirma radica em lenda: não era no cimo dum monte que se travavam batalhas tão decisivas que fosse preciso para as acabar pedir o milagre da paragem do Sol.
Mas não são lenda aquele mosteiro e a sua rica história, que incluiu um colégio da Ordem de Santiago onde se leccionavam Gramática, Artes e Teologia, nem a obra de Lope de Vega El Sol Parado; não é lenda o retábulo de Paio Peres Correia que lá existe e que é da autoria do Niculoso Pisano.
Provavelmente, também se deve à lenda de Tentudia e ao seu mosteiro o medalhão do mesmo Paio Peres Correia que se pode admirar na Praça de Salamanca.
O 17º Grão-Mestre de Santiago começou por ser sepultado em Talavera de la Reina, em Toledo. Muitos anos mais tarde os seus restos mortais foram trasladados para o Mosteiro de Tentudia. E é certamente lá que se encontram, como defende um estudo de Manuel López Fernández.
O que se não pode é confundir com afirmação histórica a ajuda ocasional e lendária dada à divulgação de tão ilustre personagem.


O Mosteiro de Tentudia fica, isolado, no topo deste monte.

Tentudia em Vídeo